#10 DOR
- Roberta Fauth
- 3 de dez. de 2024
- 8 min de leitura

Essa história vai ficar ainda mais envolvente se lida ao som dessa música aqui: https://open.spotify.com/intl-pt/track/4CeeEOM32jQcH3eN9Q2dGj?si=48551cb786f240cf
Às vezes estamos em uma situação de relativo conforto, e algo inesperado acontece, como se um botão fosse acionado, como se um dispositivo começasse a funcionar, como se uma porta se abrisse e você fica ali observando perplexa a quantidade de coisas possíveis que você ainda pode descobrir sobre si mesma. Eu já contei a vocês que descobri o meu interesse pela submissão, o meu interesse pelo Shibari e o meu interesse pelo delicioso e complexo mundo do BDSM. Mas eu tinha muitas dúvidas em relação ao masoquismo especificamente. No BDSM, bater ou apanhar é uma opção, jamais uma regra. O prazer pela dor é algo que me intriga muito, é incompleto, sinto que não consegui gerar o entendimento suficiente pra engajar em uma prática que traga a dor como protagonista. Mas comecei a pensar melhor sobre o assunto.
Encontrei esse garoto que se sabe dominante. Tivemos um primeiro encontro bastante agradável, num café em Pinheiros. Há tempos queria ir nesse lugar pra conhecer e experimentar um café da manhã diferente. Pegamos uma mesinha pequena, quase apertadinha, num cantinho do jardim. O lugar oferecia um mínimo de privacidade pra falarmos sobre tudo e sobre nada. No começo, falamos muitas amenidades, trocamos ideias especialmente sobre a indústria do direito do mercado financeiro, já que ambos estamos até o pescoço nessa área e isso gerou assunto pra muito tempo. Ele é um cara bonito, alto. Bastante inteligente, se mostra confiante e conhece muito bem as próprias qualidades, apesar da pouca idade. Eu tenho uma teoria de que as práticas sexuais kinky* podem ser entendidas como o sexo nerd, o sexo dos desajustados, o sexo divergente. Embora à primeira vista não se diga desse garoto que ele é um desajustado ou divergente, certamente ele é um nerd clássico de filme, desses que sofreu bullying na escola, era o último a ser escolhido para o time que vai jogar futebol ou vôlei, não era popular e as meninas sequer sabiam o seu nome. Mas ele cresceu (bastante) e o seu par de olhinhos míopes e verdes por trás da lente entregam um charme encantador pro seu rosto. Durante a adolescência, ele era tímido e constantemente ignorado, mas isso o conduziu para o interesse intenso por compreender o comportamento humano e a si mesmo, permitindo a ele se destacar em algo único. Ele aprendeu a valorizar sua própria inteligência e a se apropriar dela como uma arma de sedução e autodefesa. É um jogador, não tenho dúvida.
Confesso que esse pano de fundo me deixou bastante interessada. Ele se mostra atento e quer saber mais sobre a exploração do corpo da parceira: "o que você sabe sobre si mesma?", me perguntou entre um gole de café e uma mordida num brioche. Eu dei a ele o que eu já sei sobre os meus limites, o que eu gostaria de descobrir e o que está fora do meu horizonte. "Você tem noção da sua resistência e sua tolerância à dor?". Bem... uma noção eu até tenho. Mas nunca explorei tanto a dor ou só a dor enquanto sensação pura, enquanto gatilho de prazer e como esse processo desencadeia e desenrola na minha mente e no meu corpo. Senti que corei. "Quer fazer um teste?" Eu sorri, olhei ao redor, perguntei o que "um teste" significava pra mim na prática. Ele explicou rápido, mas com algum nível de detalhamento que não estava se referindo a uma interação sexual que envolvesse penetração, pelo menos não nesse momento. Mas que, com o meu consentimento, ele estaria livre para explorar o meu corpo, dentro de um limite de tempo definido por mim, de maneira que ele pudesse sentir e observar as minhas reações, especialmente nos momentos em que os estímulos seriam doloridos. Me inclinei sobre a mesinha pra falar um pouco mais baixo, me sentindo a última ousada da galáxia, perguntei se ele poderia me mostrar isso "agora". Ele estendeu minimamente o braço, a mão alcançou o meu corpo, e não me pergunte como, mas com o indicador e o polegar, ele pinçou de maneira precisa o bico do meu seio e apertou com muita força. "Mosquito para reduzir, vermelho para parar".
Me senti tão desafiada! Fixei o meu olhar no dele, mas a minha atenção estava na pressão violenta que estava sentindo, de maneira que o olhava, mas não o via. Talvez pelo contexto, posso dizer sem medo de errar que eu adorei esse atrevimento. O rosto dele não mudava a expressão. Sério, sereno, olhava pra mim como se o foco fosse o todo, e não os meus olhos. Ele estava me lendo. E, mesmo quando eu achei que não poderia ficar mais intenso, senti uma pressão ainda maior, gradualmente ascendente, e percebi que ele estava torcendo a minha pele entre os dedos. Eu senti uma espécie de energia progressiva e quente percorrer rapidamente a minha coluna de cima para baixo. Era um tipo de dor que ativou muitas áreas do meu corpo ao mesmo tempo. Me senti agitada, perdi a noção do tempo, não sabia avaliar se tivemos segundos ou minutos nessa interação. Pulei a palavra para redução do ritmo e sussurrei "vermelho". Ele abriu os dedos imediatamente e voltou a degustar o seu café como se nada tivesse acontecido. Continuava me olhando, mas dessa vez não tão atento, um leve sorriso no canto da boca. Eu, por outro lado, senti que voltava lenta de outra dimensão. Apoiei as costas na cadeira degustando aquele torpor quente que agora começava a se dissipar, no peito e nas costas. Percebi uma onda de umidade escorrendo para o tecido da calcinha. "Eu quero explorar mais" - disparei. "Mais do quê?" - Era mais dessa sensação de calor ardido.
Pedimos a conta, fomos à casa dele. 15 minutos de livre exploração foi o combinado, ele já sabia os meus limites. Quis saber o que eu aceitaria como ferramenta: tapas na bunda? Ok. Chicote? Ok. Grampos nos seios? Ok. Mordidas? Ok. Asfixia? Ok. Pressão e peso no corpo? Ok. Cordas? Super ok. Tínhamos um acordo. Concordei que ele desafiasse isso de forma lenta e gradual pra observarmos. Chegando no apartamento imenso demais pra uma pessoa que mora só com um gato, entrei na frente, ele fechou a porta e me puxou pela mão, com um giro delicado de dança me beijou pra me posicionar como queria. Fiquei de costas para a porta meio amassada pelo corpo alto. Uma das mãos dele segurava com algum nível de delicadeza o meu pescoço, a outra imobilizava um dos meus braços entre o meu corpo e a porta. A partir desse momento, ele já não pedia nada; dava ordens. Me olhando no olho, disse pra eu explicar essa nova sensação da qual tinha falado no café. Comecei a descrever com a maior riqueza de detalhes que consegui. Percebi que ele prensava de forma cada vez mais pesada o meu corpo contra os entalhes da porta de madeira e isso era desconfortavelmente gostoso. A mão do pescoço começava a fechar para restringir a minha respiração. Eu estava falando baixo, com muita dificuldade, mas não parei nem por um segundo. Ele seguia fazendo perguntas sobre as sensações, "quente?", "morno?", "intenso?", "gostoso?", quando eu já não era mais capaz de concluir uma palavra, e, confiante nele, deixei que a mão sufocasse num aperto exato a minha traqueia e entrei numa apneia vertiginosa.
Não, ele não me apagou. Eu não tinha como saber, mas de alguma forma sabia que isso não ia acontecer. Eu tinha, por livre escolha, decidido entregar o poder a ele por quinze minutos e tudo o que eu queria era aproveitar e sentir o que quer que esse sádico tivesse para mim. Quando ele abriu a mão e o ar voltou a circular, eu fui conduzida à sala, fui deixada de pé, com ele por trás de mim, mordendo meu ombro e braços. Alternava a intensidade e força das mordidas, estava de olhos fechados, parecia estar degustando cada vez que mantinha uma porção generosa da minha carne entre os dentes. Me girou algumas vezes, queria avaliar o meu corpo, me posicionou com as mãos no sofá, a bunda empinada e eu já sabia o que me aguardava. Ele perguntou se eu lembrava das palavras de segurança. "Sim". Um golpe preciso com um chicote desses de equitação em cada nádega fez a minha bunda começar a esquentar. "Sim o quê?". "Sim, Senhor". "Você gosta disso?". "Sim, Senhor". "Boa menina". De fato, eu estava excitadíssima pela sensação da dor do impacto do chicote. Um calor ardido. E a pressão quente percorreu as minhas costas novamente, mas dessa vez, de um a forma que eu não sou capaz de explicar, a sensação vinha da base do cócix até o pescoço. Ele golpeou mais duas vezes cada lado da minha bunda e me desafiava a falar como era essa sensação de carlor ardido. Durante esse tempo eu fiquei muito atenta ao que estava acontecendo dentro das minhas entranhas. Ele não se satisfazia com nenhuma resposta e batia mais e mais. Quando eu senti que soltaria um grito de dor e não mais um gemido de prazer, dei a ele vermelho. Não sei se chegamos ao final dos nossos 15 minutros, mas ele jogou o chicote longe, me puxou pra si, me abraçou de uma forma que para mim foi protetora. Eu coube perfeitamente dentro daquele abraço e só me deixei estar ali. Ele sentou no tapete com as costas apoiadas no sofá, perguntou o que eu estava sentindo com uma voz suave e genuíno interesse, pediu pra eu deitar a cabeça no colo dele, perguntou se eu gosto que mexam no meu cabelo. "Eu gosto" - e essa foi a única coisa que eu pude dizer naquele momento. Deitei ali e ficamos assim por um tempo, até que eu rompi o silêncio pra responder a primeira pergunta que ele tinha feito. Contei a ele que a experiência tinha sido excitante e assutadora. Que, embora eu não tenha sentido medo dele nem por um instante, fiquei assustada com as reções do meu corpo àquela dor. Eu não pedi pra reduzir o ritmo, eu fiz isso de maneira consciente, eu deixei que ele explorasse como alguém que me serve e não o contrário. Fui até onde senti que era o meu limite para encerrar o jogo. Ele nem usou tudo que tínhamos negociado. No fim, eu fiquei achando que a minha tolerância à dor era baixa. "Engano seu", ele disse.
Mesmo assim, me coloquei no lugar dos meninos que eu vejo partirem da minha vida pra não voltarem mais. Mas ao contrário deles, achei por bem que devia anunciar que não, o spanking* não é uma das minhas práticas favoritas. Sigo achando intrigante o reflexo do meu corpo em relação à dor e por enquanto eu não desejo explorar mais isso como um gatilho de prazer. Ainda acho que afinal o masoquismo não combina com o meu cabelo. Beijei ele ainda sentado no chão da sala, me despedi de uma forma honesta, acho. Enquanto eu caminhava até o carro, ia repassando as minhas sensações. Foram gostosas, não há dúvida. Foram dolorosas, também não posso dizer o contrário. Ainda no carro, rabisquei num papel qualquer o rascunho desse texto. Eu lembro de ter medo de perder os pensamentos sobre o que a dor intencional significou, e gravei um áudio no whatsapp pra mim mesma. Os dias que se seguiram ainda reverberaram muito essa experiência. Eu gastei um tempo pensando que respondi às perguntas dele, mas não perguntei de volta: como foi pra ele? O que ele via? O que sentia? Será que ele queria falar sobre isso? Pensei muito a respeito de como o rosto dele estava calmo durante toda a prática, de quanto prazer e de toda dor que eu experimentei, e principalmente, sobre como eu não conseguia ainda, relacionar de maneira direta o estímulo da dor com a reação do prazer. Especialmente ao me olhar no espelho: uma certa arcada dentária marcando o meu ombro me trazia uma memória carinhosa da presença desse moço que me ajudou a explorar um novo limite que agora eu já conheço.
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*Kinky - diz-se daquilo que é fetichista. Kink = fetiche.
*Spanking - prática fetichista que envolve bater/apanhar e pode ter variadas intensidades, desde que sempre respeitando a consensualidade e os limites dos participantes.
Eu sou Lilith Sem Roteiros e vou compartilhar com vocês as minhas experiências, reflexões, encontros e descobertas nas minhas aventuras amorosas fluidas



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